Somos presentes

No ano passado tive a minha primeira experiência na brincadeira do “amigo oculto” online, “amigo secreto”, como a chamamos aqui em São Paulo.

Esse papo de “primeira experiência” parece coisa de perder a virgindade, mas, pelo contrário, teve outro sentido : foi como voltar a ser criança, com o poder do adulto, e muito divertido do começo ao fim. Mandar e receber bilhetes anônimos, escrever e receber “textos-presentes” elaborados especialmente pelos participantes, foram idéias geniais da moderadora, a professora, colega e amiga, Fátima Franco.

Na versão do ano passado criei um blog (http://meninacor-de-rosa.zip.net/) para postar gradativamente as partes de um pequeno conto intitulado “A menina cor-de-rosa”, inspirado na cor favorita da amiga Sintian e, naturalmente, nela própria, mesmo que só a conhecesse muito pouco e a distância. Tanto ela quanto eu adoramos aquele “texto-presente” e hoje sinto saudades daqueles momentos de concentração para elaborá-lo e ficar em sintonia com a Sintian.Tal sintonia foi atestada pelas suas próprias palavras:

Alexandre... Estou aqui com os olhos cheios de lágrimas... assim como a menina cor de rosa, sei que tenho muito a aprender por aqui! Não existem palavras para agradecer este presente maravilhoso. Você, certamente, foi o melhor dos amigos-secretos que tive na vida!!! Mesmo sem conhecer a minha pessoa, você me retratou em muitos momentos da história. Eu me senti de verdade a menina cor de rosa... Muito obrigado pelo carinho dispensado a mim nos últimos dias. E espero, do fundo do meu coração, que a história da menina não termine por aqui! Assim como ela, todos nós temos muito a aprender. E esta história é uma bela lição de vida! Que seu Natal seja rosa, azul, verde, amarelo,... cheio de alegrias! E que o Papai Noel seja muito generoso e traga muita saúde e paz para o próximo ano! Espero, um dia, poder retribuir este lindo presente! Muitas, muitas, muitas felicidades Sindy - a menina cor de rosa!!! Heheheh! (Postado por Sintian em 22/12/2006 19:08)


Também foi emocionante e gratificante ler essas palavras, ainda mais em agradecimento por um texto que nem tive tempo de revisar gramaticalmente, realizado na correria de final de ano, em meio à elaboração da minha monografia de conclusão de curso de especialização em EaD e, em especial, ainda sob o impacto profundo da morte súbita do meu irmão mais velho, problemas com a saúde de pai, mãe e, é lógico, com a minha.

Hoje estou às voltas com a nova edição da brincadeira, também moderada por Fátima Franco, nossa “síndica”, que tem buscado sempre botar “ordem no barraco”, por exemplo, puxando orelhas e chamando aqueles que toparam participar, sumiram e deixaram participantes sem bilhetes e, talvez, os deixarão sem presentes.

Mas, como a dona síndica não é milagreira, alguns participantes continuam ausentes.

No dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, dentre outros significados, ausente é aquele “que não se envolve, que não tem parte ativa em um relacionamento, em um grupo etc.”; um dos significados de “ausência” é : “o não-comparecimento a compromisso, evento etc. ao qual se é esperado; alguns dos significados de “ausentar” são: “ não participar de algo”, “deixar de contribuir para algo”, “desaparecer”.

Assim, os ausentes não compareceram ao compromisso ao qual eram esperados, não tiveram parte ativa no relacionamento com quem “caíram” na brincadeira e com o grupo, não se envolveram, não participaram, deixaram de contribuir, desapareceram.

A ausência de cada uma dessas pessoas, paradoxalmente, significou um presente, mas aquele presente conhecido como “presente de grego”, que no mesmo dicionário citado significa “presente dádiva ou oferta que traz prejuízo ou aborrecimento a quem a recebe”.

Presente, pode significar, ainda naquele dicionário: “objeto doado”, “ofertado”, “regalo”, “mimo”, lembrança”; presença, pode significar: “estar em algum lugar”, “comparecer”, “existir em algum lugar”, “participação numa atividade”.

Os presentes que foram feitos especialmente para a brincadeira e/ou aqueles que foram escolhidos e comprados pelos participantes, vão reforçar suas “presenças”, já efetivas no decorrer da brincadeira.

Queridos e queridas, vamos brindar às nossas presenças nessa brincadeira, pois todos nós estamos presentes e todos nós somos presentes.

E os ausentes, nada é mais certo, sobretudo em ambientes online: eles não existem, pois a existência aqui é privilégio de quem deixa seu rastro, em qualquer gesto, desde o simples teclar até enviar e receber presentes.

Beijão a todos.

Alexandre Kassis